
Quando a Autonomia Ideológica Revelou uma Dependência Histórica
Na década de 1970, partidos comunistas da Europa Ocidental, como o PCI italiano e o PCE espanhol, adotaram o eurocomunismo: uma via “terceira” entre o stalinismo soviético e a social-democracia. Rejeitavam a ditadura do proletariado, defendiam eleições livres e dialogavam com cristãos progressistas. Suas críticas à URSS eram duras — Berlinguer, líder do PCI, chegou a dizer que a “massa propulsora da revolução” estava no Ocidente, não em Moscou.
Paradoxalmente, porém, o eurocomunismo dependia simbolicamente da existência da URSS. Apesar das divergências, a União Soviética era um contraponto geopolítico ao capitalismo, e seu prestígio (mesmo manchado) dava legitimidade histórica aos partidos irmãos. Quando o bloco soviético ruiu em 1991, os eurocomunistas não celebraram: entraram em crise identitária. O PCI, por exemplo, dissolveu-se em 1991, renascendo como Partido Democrático da Esquerda — agora sem referências ao marxismo.
A queda simultânea expôs uma contradição: o eurocomunismo queria distanciar-se do “socialismo real”, mas sua identidade dependia dele. Isso revela um dilema de todo projeto de esquerda: como criticar modelos falhos sem perder o vínculo com uma tradição que lhes dá sentido? A lição é que rupturas radicais podem ser tão perigosas quanto a submissão dogmática.